Entre as marés do que fomos
Na beira daquela praia de areia branca, meus pés afundavam como cicatrizes na memória — fundidos à carne. O mar dormia. Dormia com olhos entreabertos, como quem guarda segredos de amantes afogados. Só quem já amou de ventre aberto entenderia aquele murmúrio salgado. Havia uma ponte — pequena, torta, feita de madeira esquecida — um cais cansado onde o tempo largava o corpo pra ouvir o vento gemer. E então veio a voz. Rasgada. Cheia de ferrugem. Canto que não canta — corta. Tem barco à vela e um amor verdadeiro. Quem chegar primeiro pode navegar. Só não disse que poderia também sangrar... Ele. Meu amor-senhor, cravado em mim como promessa não cumprida. Tinha mãos de prece e ombros onde o mundo ia chorar em silêncio. O peito era abrigo e tempestade — abrigo da tempestade. E a voz... a voz que uma vez me chamou de...