Entre as marés do que fomos

Na beira daquela praia de areia branca,  

meus pés afundavam como cicatrizes na memória — fundidos à carne.  


O mar dormia.  

Dormia com olhos entreabertos, como quem guarda segredos de amantes afogados.  

Só quem já amou de ventre aberto entenderia aquele murmúrio salgado.  


Havia uma ponte — pequena, torta, feita de madeira esquecida —  

um cais cansado onde o tempo largava o corpo pra ouvir o vento gemer.  


E então veio a voz.  

Rasgada. Cheia de ferrugem. Canto que não canta — corta.  


Tem barco à vela e um amor verdadeiro.  

Quem chegar primeiro pode navegar.

Só não disse que poderia também sangrar...

Ele.  

Meu amor-senhor, cravado em mim como promessa não cumprida.  

Tinha mãos de prece e ombros onde o mundo ia chorar em silêncio.  

O peito era abrigo e tempestade — abrigo da tempestade.  

E a voz...  

a voz que uma vez me chamou de farol,  

mas esqueceu que luz também queima.


Fui eu que naufraguei.  

Afundei de pé, como quem ainda espera uma volta que não vem.  


Entre as marés do que fomos,  

restou só o passo dele se apagando sobre a ponte —  

e a lembrança ainda pulsa,  

carne viva exposta,  

na beira do mar.



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