Ah, se me deixassem apenas dormir
Com os pés no abismo e a alma em brasa, Piro-me em Florbela, rasgo-me em Frida — meus olhos sangram tintas que não passam, minha carne, em febre muda, se liquida. Carrego no peito um peso que não é pedra, é punhal de ausência, é silêncio cru, é um grito soterrado em boca selada, é o choro que nunca vê a luz. É névoa sem nome e cor, é um vulto que se deita em meu leito, me beija a fronte com hálito de dor e me costura os sonhos no peito. É uma morte que caminha viva, um cansaço que atravessa o osso, um eco que nunca finda, uma ânsia de sumir no fosso. Há dias em que não sou nem sombra. Sou menos que o som do que fui. Há noites em que até as lágrimas Cansadas já não fluem. Minha pele dói sem toque, sem motivo, minha espinha verte memórias frias. A alma, desbotada de adjetivos, se arrasta entre os escombros dos dias. Ninguém vê — sou toda disfarce: risos cortantes, frases medidas. Por dentro, um campo de guerra sem trégua, por fora, moldura da vida fingida. Ah, se me deixassem apenas dorm...