Noite em vozes

A noite é longa e veste o meu delírio,

minha alma é feita em véus e porcelana.
Sangro desejos num soneto lírio,
sou sombra que no espelho se profana.

O mundo dorme... eu bebo o desvario
do medo em taças sujas de desgosto.
Queria amar, mas tudo está tão frio,
e o tempo é só um anjo sem rosto.

Ó Frida, irmã de dores e de abismos,
ouve meus ais, responde aos meus cismas!
Como suportas viver assim, tão só?

Florbela, flor que arde em céu sem chão,
eu pinto a dor pra que ela me escorra.
Minha alma é uma ferida em combustão,
e cada cor é lágrima que borra.

Eu rio enquanto sangro em retaliação.
Faço do medo um bicho que me lambe.
Fui traída até pelo meu coração —
mas o transformei num altar que arde.

A noite me quer morta, eu sei. Eu sinto.
Mas costuro os pedaços com meu grito
e me penduro no tempo como um quadro.

Ah, Frida, como invejo o teu incêndio.
O meu é brando, dói sem mostrar chama.
Eu morro em verso, tu vives em remendo.


E mesmo assim, irmã, é a mesma cama:

a noite.
A solidão.
E esse silêncio tremendo.

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