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Ah, se me deixassem apenas dormir

Com os pés no abismo e a alma em brasa, Piro-me em Florbela, rasgo-me em Frida — meus olhos sangram tintas que não passam, minha carne, em febre muda, se liquida. Carrego no peito um peso que não é pedra, é punhal de ausência, é silêncio cru, é um grito soterrado em boca selada, é o choro que nunca vê a luz. É névoa sem nome e cor, é um vulto que se deita em meu leito, me beija a fronte com hálito de dor e me costura os sonhos no peito. É uma morte que caminha viva, um cansaço que atravessa o osso, um eco que nunca finda, uma ânsia de sumir no fosso. Há dias em que não sou nem sombra. Sou menos que o som do que fui. Há noites em que até as lágrimas Cansadas já não fluem. Minha pele dói sem toque, sem motivo, minha espinha verte memórias frias. A alma, desbotada de adjetivos, se arrasta entre os escombros dos dias. Ninguém vê — sou toda disfarce: risos cortantes, frases medidas. Por dentro, um campo de guerra sem trégua, por fora, moldura da vida fingida. Ah, se me deixassem apenas dorm...

Entre as marés do que fomos

Na beira daquela praia de areia branca,   meus pés afundavam como cicatrizes na memória — fundidos à carne.   O mar dormia.   Dormia com olhos entreabertos, como quem guarda segredos de amantes afogados.   Só quem já amou de ventre aberto entenderia aquele murmúrio salgado.   Havia uma ponte — pequena, torta, feita de madeira esquecida —   um cais cansado onde o tempo largava o corpo pra ouvir o vento gemer.   E então veio a voz.   Rasgada. Cheia de ferrugem. Canto que não canta — corta.   Tem barco à vela e um amor verdadeiro.   Quem chegar primeiro pode navegar. Só não disse que poderia também sangrar... Ele.   Meu amor-senhor, cravado em mim como promessa não cumprida.   Tinha mãos de prece e ombros onde o mundo ia chorar em silêncio.   O peito era abrigo e tempestade — abrigo da tempestade.   E a voz...   a voz que uma vez me chamou de...

Coisas Sentidas, Sem Voz

Tudo o que vivemos existe — mesmo que ninguém saiba, mesmo que o mundo tenha seguido. Há coisas que não se dizem. Mas se sentem. Ficam ali: entre uma respiração e outra, entre um olhar e o fim. Não há verso que explique, nem gesto que baste. Há o que se sente. E isso, só nós sabemos.

Um Amor para Esquecer o Tempo

    Foi um amor sem relógio. Sem data de chegada, sem aviso de partida. Vivemos como se o tempo fosse cúmplice. E por um tempo, ele foi. Mas o tempo cansa — e cansou. Agora olho as horas, conto os dias, marco os vazios. E penso: seria preciso outro amor para esquecer esse.

As Coisas que Moram no Corpo

  No meu corpo moram coisas. Coisas que não nomeio. Coisas que têm a forma do seu abraço. A pele guarda toques como quem coleciona histórias. E cada história tem seu fim marcado em carne viva. Você ainda mora na curva do meu ombro, na dobra dos meus joelhos, no lado esquerdo do meu sono. E isso ninguém vê. Mas eu sinto — quando respiro, quando fecho os olhos, quando esqueço que não te esqueci.

Duas Xícaras no Vento

  A mesa vazia. Duas xícaras ainda mornas. O vento entrou pela janela e levou teu cheiro. O que ficou, foi um resto de nós. Um café sem açúcar, um gole pela metade, uma conversa que não aconteceu. Há uma solidão nas louças sujas que ninguém vê. Mas eu vejo. Todos os dias.

Tudo o Que Não Foi Dito

  Não dissemos. Porque dizer era correr o risco de rasgar o que ainda se sustentava em silêncio. Ficamos no quase. Nas entrelinhas, no toque que hesita. Tudo o que não foi dito virou poesia no meu peito. Mas uma poesia sem papel, sem caneta, sem voz. Só as lembranças sabem recitar.